Relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde

15.06.2010 - 23:57 Por Alexandra Campos
A lei determina que o tempo máximo de espera por uma consulta de especialidade muito prioritária não deve ultrapassar um mês. Mas no ano passado os doentes a aguardar pelas primeiras consultas hospitalares mais urgentes esperavam o dobro do tempo, em média. E, nos casos da Oftalmologia, a espera média atingia os 123,5 dias, mais três meses do que a lei prevê.
Consultas de Oftalmologia são as que têm maior tempo de espera (Nelson Garrido)
Em 2009, aliás, dos mais de 700 mil pedidos de primeira consulta de especialidade enviados pelos médicos dos centros de saúde para os hospitais (contra cerca 476 mil, em 2008), cerca de um terço teve de transitar para este ano.
São dados adiantados no relatório de 2010 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), que, agora com o apoio da Fundação Gulbenkian, começou a montar uma metodologia para efectuar uma análise rigorosa do programa Consulta a Tempo e Horas.
Depois de centrar anos a fio as suas críticas nas listas de espera para cirurgias, conseguidas melhorias substanciais a este nível, o OPSS decidiu este ano desviar a sua atenção para os prazos de resposta nas primeiras consultas hospitalares de especialidade. O objectivo é monitorizar anualmente, até 2013, o grau de aplicação da Lei 41/2007, que definiu tempos máximos de espera (de um, dois e cinco meses, para casos muito prioritários, prioritários e sem prioridade especificada, respectivamente).
As conclusões de um primeiro estudo nas especialidades de Oftalmologia e Gastrenterologia não são animadoras: a resposta é “deficiente, muito desigual entre hospitais” e há grandes assimetrias regionais. A situação é mais grave na Oftalmologia. Em 2009, dos mais de 128 mil pedidos de consulta, mais de metade transitaram para este ano. Em Lisboa e Vale do Tejo, foram realizadas apenas 22 por cento das consultas.
Na Gastrenterologia, dos quase 19 mil pedidos, 39 por cento transitaram para este ano. Nesta especialidade, os problemas de resposta fazem-se sentir sobretudo nas regiões Norte e Centro.
Os critérios de referenciação e procedimentos do tratamento dos pedidos de consulta não estão consolidados, acentuam os autores do relatório, para quem este problema pode representar um risco para a situação clínica de alguns dos doentes.
O facto de os casos muito prioritários e prioritários ultrapassarem significativamente os valores garantidos leva mesmo os investigadores a questionar se os prazos definidos pela lei não deveriam ser revistos. “Não temos a certeza se aquilo que foi estipulado é adequado ou não”, comenta Ana Escoval, uma das coordenadoras do observatório, que diz ser necessário agora olhar para as capacidades instaladas no sector público.
Num relatório sintomaticamente intitulado Desafios em tempos de crise, o OPSS avisa ainda que algumas das recentes medidas contra a crise decretadas pelo Ministério da Saúde podem pôr em causa a qualidade dos cuidados de saúde. “Os cortes não devem ser cegos”, nota Ana Escoval, para quem chegou a hora de se avançar com algumas medidas “estruturantes”. É preciso ver onde é possível “emagrecer”, porque há “capacidades instaladas excessivas”, acentua, lembrando que é necessário integrar níveis de cuidados, como já foi feito noutros países. “É absolutamente indispensável rever o planeamento globalmente”, diz.
Os investigadores lembram, a propósito, que a sustentabilidade financeira do SNS, principalmente dos hospitais, assume já “contornos preocupantes” e se agravará no futuro. Concluem também que muitos dos factores que determinam a evolução e sustentabilidade dos nossos sistemas de saúde começam a deslocar-se para fora do espaço nacional e dão o exemplo do recente acordo político em relação à directiva sobre a mobilidade dos doentes na UE. “Isto vai-se passando perante a gritante falta de informação, análise e debate no país”, lamentam.
Propostas e conclusões
Gripe pandémica: é necessário apresentar uma primeira avaliação do que foi feito “com a mesma visibilidade com que se geriu a resposta à pandemia”; o H1N1 é um vírus "imperfeitamente" pandémico.
Cuidados de saúde primários: a concretização dos Agrupamentos de Centros de Saúde (Aces) ficou “muito aquém do êxito que foi o lançamento das Unidades de Saúde Familiar (USF); quase cinco anos após a criação das primeiras USF, é tempo de o Ministério da Saúde apresentar os resultados que lhes estão associados.
Diabetes: é necessário um sistema de informação credível; a DGS (Direcção-Geral da Saúde) “não tem capacidade de monitorização ou avaliação do que se passa na realidade”.
Utilização de antibióticos: apesar da melhoria observada a partir de 2008 no uso de antibióticos de largo espectro, o Ministério da Saúde não tem sido “suficientemente interventivo” na promoção das boas práticas junto das instituições; os passos dados nesta direcção ainda são “demasiado tímidos e insuficientes”.
Tabaco: em 245 consultas de cessação tabágica, só quatro não têm tempo de espera e pouco mais de metade apenas são acessíveis por referenciação do profissional de saúde.
Cuidados continuados: persiste alguma predominância da institucionalização face à permanência no domicílio.