
17.06.2010 - 10:41 Por Romana Borja-Santos
Com pó, vigas, alguns tijolos e as protecções das obras de remodelação da escola como cenário, Inês Pino, Daniel Martins, Jorge Pinto e Nuno Rodrigues avançaram com passos determinados, que disfarçavam bem o receio que tinham dos 150 minutos que se seguiam.
Daniel, Jorge, Inês e Nuno seguem confiantes para o primeiro exame (Rui Gaudêncio)
Estes quatro alunos do curso de ciência e tecnologias da Escola Secundária de Santa Maria, em Sintra, fizeram ontem à tarde o exame nacional de Português do 12.º ano - o princípio do fim de um ciclo que se fecha e que esperam que lhes abra as portas do Instituto Superior Técnico. Dentro de uns anos querem conquistar o título de engenheiros. Parte desta responsabilidade esteve nas mãos de Camões. Ou melhor, da forma como responderam às perguntas sobre o excerto de Os Lusíadas que saiu na prova e que dizem ter sido uma "completa surpresa".
Nesta escola cerca de 400 outros alunos realizaram ontem a mesma prova. No ano passado, em todos os exames do ensino secundário a escola ultrapassou as 1000 provas, o que a coloca entre os estabelecimentos de ensino que mais alunos levaram a exame nacional. Ao todo no país, segundo dados do Ministério de Educação, estavam inscritos para a prova de ontem do ensino secundário 75.875 alunos. Contudo, o número efectivo de estudantes que compareceu ao exame só será divulgado hoje. No ano passado estavam inscritos menos alunos nesta primeira fase de exames (73.740) e fizeram a prova 64.993. Quanto a médias, desde que os exames arrancaram em 1997 a mais baixa a Português registou-se em 2008: 9,7 valores numa escala de zero a 20. A média mais elevada, de 11,8, aconteceu em 2001.
Inês, Daniel, Jorge e Nuno não estavam "minimamente à espera de Camões", que também fez questão de marcar presença na prova do 9.º ano que se realizou ontem de manhã. Na véspera do exame tinham partilhado com o PÚBLICO a forma como se estavam a preparar e quais as obras que gostavam que saíssem na prova: pediam Saramago mas a intuição dizia-lhes que ia sair a Mensagem de Fernando Pessoa. Essa era também a convicção de Leonor Fernandes, a professora de Português desta turma.
Mas o sexto sentido trocou-lhes as voltas e viram-se obrigados a escrever "cortando o mar sereno,/ com vento sempre manso nunca irado", como dizia uma das estâncias do Canto X de Os Lusíadas que serviu de base ao teste. No entanto, nos últimos versos, Camões não duvida de "que vencedor vos façam, não vencido". E os alunos e a professora também não. "Foi um texto que trabalhámos em aula", esclareceu Leonor. Quanto aos alunos, garantiram que intensificaram o estudo nesta altura, levantando-se a meio da manhã e largando apenas os livros à hora de jantar. As noitadas a estudar não são do agrado de nenhum dos quatro, e para Inês e Jorge a "borga" com os amigos também ficou em stand by. Ela explica que, assim, fica "de consciência mais tranquila; ele, que tem "o resto do Verão para aproveitar". Daniel e Nuno dizem que conseguem conjugar tudo.
Sobre a prova "ideal ou fatal", Pessoa, na vertente ortónimo, era o principal "inimigo" do grupo. "Prefiro texto em prosa porque a poesia é mais subjectiva. Seria a minha morte se saísse ortónimo. A minha e a de toda a gente. E Camões também não usa o lado natural das palavras", disse na véspera Inês, de 17 anos, que antes do exame ficou com média final interna de 16 a Português e que em breve espera ser caloira de Engenharia Informática. Uma vontade que só foi feita em parte. A recompensa veio no grupo sobre o Memorial do Convento, de José Saramago, que era do agrado de todos. Ainda assim Jorge, de 18 anos, com média final de 12 e também candidato a Engenharia Informática, assegurou que a obra de Sttau Monteiro "Felizmente Há Luar é que seria um bolo".
Olhos na Matemática
A prova começou às 14h00 e durou duas horas mais 30 minutos de tolerância. O primeiro a abandonar o barco foi Nuno, de 18 anos, média de 14 à disciplina e futuro engenheiro electrotécnico. Saiu pouco depois das 16h00 com um mar de miúdos cujos olhos e caras vermelhuscas denunciavam o estado de espírito e o calor do dia. Uns sorriam, outros suspiravam e maldiziam tudo. Alguns corriam para os professores para ver as respostas certas. Para Nuno a prova era "acessível" e estava "dentro do género" que fazem ao longo do ano. "A s"tora faz sempre provas com formato de exame e tínhamos trabalhado este excerto."
O segundo a sair foi Daniel, de 17 anos, aluno com média de 16 a Português e candidato a Engenharia Aeroespacial através da Força Aérea - o que faz com que tenha de conjugar o estudo com longas horas no ginásio, para onde foi descomprimir depois do exame. "O mais confuso foram as perguntas de escolha múltipla em que há várias respostas que parecem acertadas." Uma opinião corroborada por Jorge, o terceiro, e por Inês, que desde logo avisou que seria a última a sair.
Agora é hora de pôr um ponto final em Português e fazer as contas à prova de Matemática que se realiza na segunda-feira e que é a disciplina específica destes jovens. Ainda assim, não resistem a acompanhar o Mundial da África do Sul. Uma confidência: na véspera do exame não resistiram a dar uma espreitadela (atenta) ao jogo de Portugal com a Costa do Marfim.